Luis Carlos de Arapey (1921 - \o/ ) Livros Publicados: Poemas do Tempo Frágil Rio, 1951 O Dia Sobre o Rio S.P., 1961 Poemas Inspirados Em Música S.P., 1971 Poemas Inéditos PoA., 1981 Poemas Inéditos PoA., 1991 Remembranças PoA., 1991 Poemas de Arapey PoA., 2001

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Revisitando reportagem de 1971 - O Canto do exílio



O CANTO DO EXÍLIO
                                                    por
Antônio Hohlfeldt


Jornal: Correio do Povo
P Alegre/RS em 21 de agosto de 1971

“Para melhor querer-te
      Porto Alegre
é estar de ti ausente
há tanto tempo
estações inexpressivas
alma vazia
memória ardente
(...) Para melhor querer-te
e de qualquer modo não te esqueceria
é que venho voltando ao sul
nestes invernos, talvez nestes últimos invernos.”

Luis Carlos de Arapey escreveu estes versos num mês de julho de 1968. Mas depois deste inverno, ele já voltou aos pagos muitas outras vezes, como essa, em que tivemos oportunidade de conhecê-lo.  Uma das características deste poeta gaúcho, “exilado”, como ele mesmo diz, há muitos anos, em São Paulo, é a duplicidade lingüística em que ele elabora seus trabalhos. Nascido no Uruguai, transferindo-se para o Brasil por um simples acaso – queria cursar a escola que estava do outro lado da linha divisória, onde havia uniforme e negrinhos como companheiros. Sua mãe, apesar de brasileira, não sabia escrever português, conhecia apenas o espanhol. Arapey, conheceu sempre as duas línguas. Por isso, sem intenção, por vezes um poema iniciado em uma língua terminada em outra, como aquele que o Caderno de Sábado publicou há pouco tempo*. “É como o prazer de uma leitura, a música reiterada. Prova de que a língua, alma de um povo – deixa ressonância, raízes no menino que fui, transformado em homem através de duas línguas”.

A NOSTALGIA DO EXÍLIO
A nostalgia, a saudade, a tristeza – essas palavras que ou outros vocabulários não conhecem tão plenamente como nós – embora talvez sintam os mesmos sentimentos, são os temas constantes de Arapey, como neste poema, “Destino”.
“Podes calcular o impacto
causado pela tua chamada
quando
outra vez
a tarde dourada ia em meio?
E deves saber por que
eu te considerava perdida para sempre
neste ou noutro território.
Disseste que me querias ver...
a mim mesmo?
Ou a imagem atual
sofrida e desfigurada?!
Ah! Destino!
O que nos reservas
Antes da morte, Destino!”

“Acredito que tudo seja, para mim, reflexos de uma certa nostalgia de um território perdido, a infância, o campo, o tipo de gente, os seres mais humanos que já conheci. Não esqueci jamais o símbolo de Martin Fierro, o gaúcho cruzado com o emigrante, lutando contra a decadência, porque mesmo antes de o gaúcho perder a sua terra, ele já sabia que houvera uma anterior gauchada, em que não existiam nem fronteiras nem estâncias com cercas”.

OS GRANDES SILÊNCIOS
Arapey atribui, em grande parte, à tradição analfabeta dos narradores orais, os mais velhos, o seu aprendizado dos temas gaúchos. E pensando sobre a poesia como um fenômeno reflexível, diz que “da leitura dos poemas pode-se sempre tirar a reportagem do sentido da vida, da situação, de um estágio, a carga de valores, a modificação de nossa vida. Matei muito do que havia em mim ao seguir para São Paulo. É como um crime que se faz diariamente, no meu entender: há certas peças musicais que são tão íntimas, que não deveriam ser aplaudidas. O aplauso que se lhes dá, corta esta espécie de magnetização que sofremos no seu decorrer. O encanto fica quebrado, e isso faz sofrer”.
Arapey gosta das ruas sossegadas, dos grandes silêncios, das calmarias dos campos em suas amplidões sem fim. Talvez por isso ele se desespera no meio dos edifícios altos que o cerram numa quase prisão, e escreve assim:
“Estranha alegria que nos vem do desespero!
De que adiantou perdão reiterado
         e compreensão permanente?
Madrugadas erguem-se em fria bruma
como fantasmas.
Gosto amargo que não passa.
Desilusão e mais desilusão.
Que dizer
         quando o próprio sol nos parece de gelo.
Aí está o mundo!
Vida renascendo!
Se não fosse o amor da verdade
         não haveria drama.
Nós queremos mais do que humanos!
sem, no entanto, perseguirmos fria perfeição.
Múltiplas solicitações perturbam o propósito
         de autenticidade!”

O debate íntimo em que Luis Carlos de Arapey vive é reflexo do próprio debate que construiu objetivamente em seu mundo. “O artista dá de si aquilo que lhe parece mas apto, revelando-se, muitas vezes, para si mesmo, com uma certa surpresa. Comecei a escrever intencionalmente aos 20 anos. Talvez pelo ambiente que tive  -  as reuniões dos familiares, todos eles palestrantes de primeira linhagem que me empolgavam com seus diálogos sobre os quais eu me indagava de tudo o que era possível. Mas talvez nunca tivessem nascido poemas.  Lia muito, e comecei a descobrir que também podia escrever algo”.

O CAVALO NOS 14 ANOS
O aluno do compositor Natho Henn, instigado por sua avó, que queria que ele escrevesse suas memórias infantis, a cidade, Arapey evoluiu. Não aceita o depoimento puro e simples, frio, pois “é algo tardio que tira a lucidez”. Quando se está triste e no exílio, “sinto a nulidade de um sábado vazio”, que lhe lembra constantemente o por-de-sol do Guaíba, ao qual “até os animais são sensíveis, pois que também eles são sensíveis a seus habitats, talvez mesmo mais do que nós, seres humanos. Tudo o que é desumano é infame, é um desastre organizado, matando a alegria, tirando as referências do céu, da paisagem, do respirar livremente. Todos os paulistas sabem disso, por isso fogem da capital, e, no entanto, foram aqueles homens mesmos que criaram o seu “castelo”, conforme nos contou Kafka”.
Uma preocupação de Luis Carlos de Arapey é não tornar-se demasiadamente citativo de livros e trechos de obras que leu. Mas a nossa conversa decorre num sábado de morno pós-almoço, em que uma certa modorra invade a sala em que estamos, e a conversa, estigmatizada por claros de silêncios, transita livre entre ambos, fluindo lenta e despreocupada, num ir e vir sem fim, sem linha, sem regra, sem tempo, porque o tempo, aí, é todo ele total.  “Não gosto de fazer citações a todo o momento  -  embora tenha a tendência para tal, pois que sei que em cultura, tudo o que se tem a aprender é monumentalmente superior ao aprendido. Disse isso há dez anos, e o direi daqui a outros dez”.

Foi no primeiro emprego que Arapey aprendeu a andar a cavalo, percorrendo todos os pagos, fazendo amizade com gaudérios, aos 14 anos de idade, enfrentando chuvaradas. “O cavalo é quase gente. Nunca dei-lhe de relho ou espora. Ele conhece a gente; o meu era um picaço malacara, tipo aquele do Tom Mix ( o do Buck Jones era Silver, não,) e se fica conhecendo até as suas manhas. Como gostei do cinema da década de trinta, quando o cowboy, que nos era tão familiar, aparecia na tela, em tudo semelhante a nós, que éramos inaptos para entender as tragédias que não as nossas mesmas”.

PÁSSAROS DESPERTOS
Poesia poemas, “pássaros que despertamos, terra e frutos compartilhados”, segundo ele, que acrescenta, em outro momento,
«Nunca escrevi por escrever
nem estou vivendo ainda
 por viver».
E preocupa-se ele:
«Meus filhos amarão meus versos,
A todos transmiti vida.
Meus três herdeiros crescerão muito
e meus três livros darão testemunho
de esforço sobre-humano.
Agora  -  e como sempre -
penso naqueles que eu amo
e sei que me querem também.
Eles confirmarão
que não tive existência vã,
não me deixei ir à deriva,
nem pertenci aos que traíram
a própria condição humana!»
       _________________

Os livros de Arapey “Poemas do Tempo Frágil”, editado no Rio; “O Dia Sobre o Rio”, em São Paulo, e “Dos Senhores e das Batalhas”, que ele editará em breve, marcam, de dez em dez anos, um passo a mais que o poeta dá. 1951, 1961, 1971. Assim é Arapey. A literatura pelo que ela tem de humano. Pelo que revela de cada um. Completando cinqüenta anos em abril passado, dos quais trinta dedicados à poesia, que “implica uma responsabilidade de cumprir o ideário justo, pois que ela é uma declaração de princípios, segundo eu a entendo”, sua grande ambição é continuar a estirpe não apenas de sua família como de sua terra”.

LEMBRANÇAS EXILADAS
Arapey faz de coisas miúdas a importância de sua vida. Por exemplo, tem anotado tudo o que leu até hoje, desde 1935, quando recebeu dois volumes de Jules Verne, ainda em Montevidéu. Por isso, possivelmente, sua gratidão para com a língua que por primeiro conhecer fá-lo escrever assim:

Prodigio de la lengua que hablamos ahora
raramente
despertada con amor en estos días tan
hermosos,
para que la entiendas y la quieras
conociendo así,
nuevos caminos soleados
en tu vida lúcida,
inteligente, y
gererosamente tuya.
Tiene alma la lengua castellana,
que te será hermana gemela.
¿No lo sabes? ?Lo presientes?
¡Ya lo sabras!
De um de seus vários amigos, Nilson Bertolini, que teve um livro de poemas editados postumamente pela Globo, pois que suicidou-se com apenas 24 anos de idade, Arapey recorda os versos, “adeus, minha janela escura / adeus meu sonho desfeito. / Meu bosque de madressilva / minha palavra sem jeito / ninhos de folhas secas / dançarão sobre o meu peito”. Dos tempos de Porto Alegre, Arapey recorda o Gastal, “que via poesia no cinema”, ou o Mário Quintana, com quem jogava, poemas nas mãos: “Si me muestras, te muestro”, discutindo e observando um ao outro, os poemas criados. Daquela época, na evocação, ele hoje canta com saudades:
Es mui chica
y es alta la ventana de mi alcova
todas las noches hé de mirar al cielo
y tendré el alma trespassada de estrellas!

“O poeta tem de ser um lunático, excedendo as normas comuns da convivência, concluiu o poeta”. Na saída, ainda dedo apontado para mim como ele costuma fazer, sempre que declamava uns versos, me recitou: ÚLTIMO ADEUS
«Gostaria de dizer no meu último poema
que lamento estar morrendo
longe da terra azul que sempre amei!
Então, tinha sabor o pão cotidiano.
Pessoas eram pessoas, e animais, animais.
Hoje, tudo me parece haver sido apenas sonho
pendente das janelas do pesadelo.
Paisagem desolada
sopra vento sinistro.
Pergunto: até quando agoniza uma alma?
Houve suave anjo que me deu amor
e não creio seja mais possível
nesta miserável área do mundo.
Até o último momento
lembrarei com imensa ternura
a todos que também amei.
Não há enigmas para decifrar
e sim
estágio de sociedade a ser superado».

No apertar minha mão, deixou-me um papel, papel escuro de folha de jornal, em que, a lápis, rabiscou, rapidamente: “Nunca me despeço, realmente, do nosso sul, porque à minha alma é difícil de sair daqui”, e essa frase simples ficou flutuando no ar, enchendo de aromas a sala, vingando saudade nos corações dos amigos aqui reencontrados por ele. O poeta voltou ao exílio.

Arapey

Arapey
Luis Carlos De Arapey o Poeta da Integração do Conesul